INDELÉVEIS
Leva, a minh’alma leve,
Indeléveis marcas que sabemos
De cicatrizes, que já não doem mais,
Tatuadas, ora na carne, ora igual cores
Nas penas das asas de pássaros viajantes,
Feito marcas genéticas,
Vindas de onde não sei...
Às vezes achadas tão belas:
Vermelhas, carmesim...
São respingos de sangue vivo,
São pedaços de mim
Que ficaram arrancados
Da outra metade que partiu...
Às vezes, incolores, transparentes,
Iguais respingos de água, nalgum cais,
Que o vento soprou na partida de um navio,
Que ninguém sabia era pra sempre,
E não voltou nunca mais...
Indeléveis como a cor dos meus olhos,
Que não se mostram a mim,
E engolem horizontes de sol e fogo,
E desertos de azuis e noites e areias sem fim,
E me olham de novo eternos e serenos,
A cada fim de noite, a cada fim de dia,
Num espelho que lava o meu rosto
Ou corta a minha barba
Ou arrisca-se em me dizer das coisas que não sei...
Indeléveis os lábios, carregados de todos os desejos
Contidos no beijo primeiro do primeiro amor,
Tocando-se atropelados pelos corações em disparada,
Feito a descoberta do gosto, do cheiro, do calor e mistérios
Da alma fêmea, habitante no corpo da menina...
Indeléveis os invisíveis rastos de antigos carinhos
Feitos caminhos quentes, iguais às torrentes
Do meu sangue a andar pela minha carne,
Que a água do banho não lava
Nem leva perfumes que nem sei...
Indeléveis os invisíveis sulcos cálidos, salgados,
Que marcaram os meus lábios
E se perderam pelo meu peito
Quando a escuridão chegou
E não me deixou mais ver
O verde mar dos olhos teus...