A CONVIVENTE

enciumada,

a poesia deu a soprar-me uma, duas, três palavras

[uma lufada de palavras]

e eu, a exigir do vento um silêncio de defunto!...

minha convivente

[com quem já dividia até o ano]

ao meu lado,

morava a rabiscar uma lista de compras

[Poesia – pensava – coisa prosaica!]

todos os recém-convividos são marinheiros de primeira viagem,

têm prazeres de marinheiros de primeira viagem;

talvez, por isto,

marcávamos, item por item, o que fazia falta na dispensa,

aos cochichos... à boca pequena!....

[Poesia – pensava – coisa prosaica!]

auto-confiante,

Mariana – a convivente –,

fez cara de nem te ligo, de mulher de poeta,

julgou ser a poesia – para mim – algo nem tão maiúsculo

[e continuou a rabiscar a longa lista de compras]

enciumadíssima,

a poesia voltava a me soprar uma, duas, três palavras

[uma lufada de palavras]

queria ouvidos

– lhe dei ouvidos –

[e nunca mais exigi do vento um silêncio de defunto]

Da convivente?...

Hoje, continua a fazer a mesma longuíssima lista de compras.