Amor Necrófago

Estenda-me tua mão

Como ao mangue,

Enlaça-me, lambuze-me

Com tuas manhas.

Faça de mim uma

Tua pústula preferida.

Onde alimentas teu gozo?

Onde, em mim,

Buscas teu quinhão de fel?

O botulismo desregrado

Em tua fome,

E mordes e dilaceras

Minha alma andrógina.

Com tuas raizes

Ceifas-me a seiva

Dum apostema creófago,

Carnívoro, cansado,

Bibelô da carne,

Adorno inócuo, sofrido.

Vamos morrer juntos

Num falecer constante e podre

Pelas valas únicas, úmidas

Das ruas espectrais

Que desaguam na praia,

Onde pedantes casais,

Amantes de valor contado,

Deleitam-se numa necessidade

Vil, doce, escarnada.

Leve-me à ginofobia

Falsa e hipócrita

Da fidelidade tosca,

Com versos escandidos

De teu doentio ver,

Teu tracoma vigia,

Tua razão, teu ciúme.

Com tuas bocarras

Cape-me o desejo viscoso

Dum lascivo priápico

Em redundantes partidas,

Sucessivos saques sazonais.

Seja algoz infecciosa

E serei réu putrefato,

Condenado morfético

Em tua necrópole rala,

Rasa, comum,

Até que a morte nos separe...

Antonio Antunes
Enviado por Antonio Antunes em 15/10/2006
Código do texto: T265018