Monólogo de uma sombra

Ninguém me sabe, nem me sei, não sou,

Não ando, não me deito nem levanto,

E, quando o dia dorme, no seu canto,

A luz que é falsa acorda: aonde vou?

Sou gente, sou montanha, coisa e passos,

Queria ser rio, mas rio não caminha,

Corre deitado em seu leito de braços;

Sem nunca erguer-se, nem ao sol se alinha.

O chão, paredes, muros e calçadas

Acolhem os meus traços como seus,

Visível das alturas, entre arcadas,

Não mais caminho além de um adeus.

Só na lembrança de quem me tropeça

Vou ter lugar, assim como um retrato

Guardado em uma página inconfessa,

Entre um amante e o meu anonimato.

É dor de não viver senão for presa!

Aos corpos, me acorrento... em liberdade...

Aceito a minha sina: a surpresa

Me mantém viva ao som da claridade.

lizeteabrahao@terra.com.br