Esmola

Veja, senhor, pois vossos olhos não mentem,

Que nestas mãos já se assomam montanhas

E se rasgam fendas por labutas tamanhas

E não calo a fome que estas crianças sentem.

Um magro tostão apenas vos peço, doutor,

Pois desta maldita terra nada se tira

E a chuva não desce, parece de birra,

Jocoso céu de tão pueril torpor.

Não me recordo à quando larguei o trago

E pelos pequenos até lancei-me em romaria,

Rogando um pouco d´água que esta bastaria

Para regar o grão, e do grão colher o fardo.

Valei-me, senhor, de uma humilde moeda

Que vossa algibeira nem sente a falta.

E essa bondade vos guardará a virgem sacra,

A compadecida que a nenhum filho renega.

Minha companheira se foi pela peste carregada,

E pelo passo do andor, logo serão os fracos,

Sebentas criaturinhas ainda sem pecados

Que talvez matem a fome com a morte anunciada.

Veja, senhor...

Mas vossos olhos não sentem....

Antonio Antunes
Enviado por Antonio Antunes em 21/10/2006
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