O Cerrado alado

Era menino assanhado

quando conheci o cerrado,

ainda bem preservado

e muito mais alado.

Em plena luz do dia

o "De-noite" surgia,

com a sua sabedoria,

imitando cotovia.

Grandes expedições

passando privações;

viajávamos equipados

nas bordas dos roçados.

Açoitados por monções,

caminhando aos trambolhões,

com a "chama" engaiolada,

a cumprir nossa jornada.

Já muito longe de casa,

em alguma grota rasa,

ocultos da passarada

na espera vigiada.

Armados os alçapões,

passado visgo nos varões,

a chama mui canora

atraindo traidora.

Caboclinhos, estrelas,

patativas e coleiras,

antes livres nos céus,

agora nossos troféus.

Minha casa era uma festa,

mil cantos em orquestra

na afinada sinfonia

em perfeita sintonia.

Certo dia, inocente

do perigo iminente,

um tiro de cartucheira

na fechada capoeira.

Uma lição de horror

nas mãos do caçador;

abatida, uma harpia,

fez da paz uma utopia.

Fui perdendo aos poucos,

meus desejos meio loucos,

de ser o dono dos cantos

das aves e seus encantos.

Acabei com a criação

com dor no coração,

mas alegre de verdade

em conceder a liberdade.

Foram embora sem medo

em direção ao arvoredo,

de volta ao seu mundo

cor de azul profundo.

Brasília, 15 de setembro de 2000

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 26/06/2005
Código do texto: T28010