Maria Maré

Maria Maré

Maria da Graça Almeida

Entardecida, Maria Maré,

plantada no chão, firmada na fé,

trazia o pé fincado na areia,

a impedir a maré de cheias mais cheias.

Nos olhos brilhantes, duas luas inteiras,

no peito maduro, a vontade e meia:

- Que Deus me acate, atenda e acuda,

só hoje e sempre lhe peço a ajuda!

E Deus, que lhe dava a boa mãozinha,

nunca a deixava na praia sozinha,

com todo cuidado, zelo ou desvelo,

trazia-lhe a água só pelo joelho.

Até que um dia, Maria folgou

e bem nesse dia a Deus não rezou!

Maria, a lua, fitou nesse instante

e o mar se achegou, então, ondulante,

Com força, as ondas se avolumaram,

bravas e impunes mais espumaram,

líquidas línguas lamberam o solo,

querendo deitar, de Maria, no colo.

Rugindo, o mar galgou-lhe as pernas

e pôs-se alargado em gotas eternas,

incauto, molhou-lhe o xale, a saia,

subindo às casas e ruas da praia.

Hoje, as águas, de vez soberanas,

abundam com os pingos que ainda emanam

da estátua de sal que chora saudade,

compadecida da antiga cidade.

A lua no céu sorri zombeteira

e exalta o dia em que, sorrateira,

enlevando Maria, distraiu-lhe a fé,

fazendo perpétua a cheia maré.

maria da graça almeida
Enviado por maria da graça almeida em 04/07/2005
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