SPERANÇA

SPERANÇA

J.B. Xavier

Vem cá que vô te contá,

Nesses meu verso incolô

Que nem sei metrificá,

As causa da tua dô.

Vem cá, ô minha criança,

Eu sô matuto do mato,

E te vejo cum essa sperança,

Sempre a te machucá...

Sô simpres, de pé no chão,

Mais quando te vejo chorá

Me corta o meu coração...

Chega mais perto, criança,

Vô te espricá a sperança...

Vê se consegue entendê

Essa coisa que te rói,

Que é difícir de dizê...

É das coisa que mais dói!

Se no peito vem morá...

Num quero te vê pená...

Sperança é uma coçerinha no coração,

Assim tipo uma sarna que num arreda!

É como dinhêro que não vale mais,

Mais todo mundo guarda uma moeda...

Sperança é feito uma decarcomania véia,

Que quanto mais véia , mais gruda,

Daquelas que ocê só tira em pedaço,

E sempre ficumpedacinho

Prá daná a arma da gente...

É assim tipo uma mentira

Que conta até quem não mente...

Sperança é como esperá nestação

A vida intêra poraquele trem!

Ocê vê fumaça portrais dos morro,

Reza prassê ele,

Mais ele nunca vem!

Sperança é tipo assim bejaflô nos matagá:

Arisco e quase num dá prenxergá!

É como um mar oiado,

Só pegocê socê acreditá,

Só sai docê socê num ligá!

Sperança é tipo quando farta um dente,

Ocê tem que lembrá disso todo dia

Quando fô mastigá!

É tipo cebola, só queocê chora

Sem precisá cortá!

Sperança é feito uma topada que levanta a unha,

Danada de doída,

mas que ocê não recrama,

É quarqué coisa que ocê qué e chama...

Sperança é como prendê o dedo na porta,

Ocê grita, chora mais num simporta,

Com a dor da mão,

É bem assim, só que dói no coração!

É uma dôzinha enjoada,

Mas que ocê qué que fique...

E deixa ocê pelos canto,

Como quem tá cum gripe...

Sperança de verdade,

Tem quem chame de sardade...

É quando o otro te diz dessa tua babaquice,

É quando tu mesmo acha

Que tá fazendo burrice,

É quando tu mesmo sabe

Que é melhó se aquietá,

E nem assim tu dá um jeito

De se desesperançá!

Sperança é quando lá na rodoviária,

No meio da murtidão,

Tu óia por cima dosombro

Com o coração na mão...

Daí, depois de toda a espera,

Vem arguém na escadaria,

Mas num é quem tu achô que era...

Sperança é uma dorzinha no fundo,

Lá bem no fundo da arma...

E que não tem cumprimido nenhum

Que te traga carma...

É tentar de tudo: carta, fone, e até cumputadô,

E depois que nada dá certo,

É ficá pensando no amô

Às veis até a chorá...

É não desistir de sofrê,

Mas querendo acreditá,

Que nunca vão te esquecê...

* * *

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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 05/02/2005
Reeditado em 23/01/2009
Código do texto: T3558
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