STELLA MARIS
STELLA MARIS
FLAVIO MPINTO
É!
E eu me apaixonei por uma linda ciganinha.
Era guri e admirava, curioso,
Aquele grupo de mulheres
Vendendo tudo que é tipo de utensílios de metal,
Tachos, pulseiras, colares.
Eram ciganas com suas saias e blusas multicoloridas.
Vinham de um acampamento,
Lá da "Linha", bem perto dos "trilhos" em Livramento
Muito perto da garagem de ônibus na Cuaró.
E eu, oh, sempre dava um jeito,
Quem não tem defeitos,
De apanhar as bolas que caíam ,
chutadas do campinho onde jogávamos futebol
Para o acampamento.
Sempre ia vê-la
E lá ela chegava
Com suas saias multicoloridas,
Num balé que não conhecia.
Índio chucro da fronteira
Acostumado só ao estudo, lida e jogar bola descalço,
Ficava quieto, mudo
Quando a ciganinha se aproximava.
De olhos apertadinhos, brilhantes,
Cabelos soltos ao vento,
Sempre bonita,
Uma beleza natural, sem pinturas,
Me encantava.
Mas gostava mesmo dos seus olhos, e como.
Era um olhar mágico, profundo e doce.
Não sei explicar.
Só não gostava quando ia falar,
Chegava outra cigana velha, toda pintada
E sempre cheia de balangandãs
e lenços coloridos na cabeça,
levava a ciganinha.
Mas que simpatia a ciganinha!
E eu admirava aqueles olhinhos
Aquele sorriso diferente
Mas sempre, no momento
Quando ia falar com ela, a velha aparecia.
Falava algo que não entendia
E a levava para debaixo da tenda,
mas minha vontade, não.
E assim passavam-se os dias
E eu ia jogar bola só para ver a ciganinha.
Aquele olhar já me movia
Não sabia andar sem ele.
Acho que me apaixonei
tanto que deixei de sair com meus amigos.
Aos poucos, em pensamentos,
Só a ela me dedicava.
Até seu nome descobri: Stella Maris
E a fiz minha deusa.
Um dia na cidade a encontrei,
Sempre no meio das mais velhas
A vender utensílios, tirar a sorte, ler as mãos.
Queria que lesse as minhas
Mas sempre a velha surgia e a tirava de mim.
Um dia, um vizinho amigo
Convidou-nos para uma festa.
Era uma festa cigana
De gente muito bacana, dizia,
Lá no acampamento.
Enfim, estava lá dentro
E estranhei aquela gente alegre, festeira
Uma alegria contagiante
E por um instante pensei ser um deles.
As mulheres estavam lindas,
Mais ainda com suas roupas mais coloridas que nos outros dias
E os homens se compraziam, saudavam os visitantes e dançavam.
Uma fartura de comida e ouro como jamais havia visto na vida.
Descobri que era um casamento
E fiquei muito triste: era da minha ciganinha querida.
Que peça me pregou o vizinho
Será que tinha o direito de fazer aquilo comigo?
Pra mim parecia um jazigo.
Queria a minha ciganinha
com lenço vermelho e tiara na cabeça
Braceletes e colares a enfeitá-la
Saias blusas multicoloridas a embelezá-la.
Mas vi o noivo mal encarado a me trazer á realidade.
Ela entrou na tenda com outras mais velhas
para a cerimônia
E me dirigiu um olhar suplicante com seus olhinhos brilhantes :
"Se me amas, tire-me daqui" parecia dizer.
Eu não sabia nada de tradições ciganas
E quase cometi um desatino de guri.
Quase gritei que a queria
Mas a voz não saiu
Mal sabia o perigo
E o mal encarado a levou.
Nunca mais vi a ciganinha
Nunca mais fui jogar na"linha" perto dos "trilhos".
Nunca mais vi o sorriso
E o olhar apertadinho.
O acampamento foi desmontado
Meu coração despedaçado
Mas , hoje, sei que certas paixões não morrem
nem se esquecem.
E chegará o dia em que
A minha ciganinha Stella Maris voltará.
Ás vezes, fico procurando
Nos grupos de ciganas que encontro
Lendo mãos, vendo o futuro,
Aqueles olhos brilhantes
Aquele olhar mágico que me encantou.
Alguém com um pedido de socorro
Da minha pequena cigana.
Minha ciganinha querida
Desta vez vou lhe dar guarida
Nos meus braços te acolher
E enfim ouvir tua voz.
Sei que o tempo não perdoa
Estamos bem diferentes
Mas quem sabe, um dia,
Não receba uma certeira flechada de olhar mágico
Vinda de alguém de um grupo de ciganas
Que lê a sorte, que vende utensílios
E que ainda dribla a morte.
Minha Stella Maris
Não sei se ainda vives
Não sei onde andas
Mas meu amor de guri persiste
E minha esperança insiste
A esperá-la
Pois ainda és a minha deusa
De olhinhos apertados e saias e blusas multicoloridas.
- "Linha"- linha divisória entre Sant'Ana do Livramento-RS-Brasil e Rivera-Uruguai
- "trilhos" - local onde os trilhos da viação férrea brasileira se ligam com os uruguaios.
- Cuaró- bairro riverense.