Emergência

O papel em branco.

O porta-retratos agora eu quero vazio.

Um minuto depois do óbvio

E tudo escurece,

A pressão despenca,

O olhar entorna;

A rejeição absurda fere a testa,

Como ferro em brasa

Rasgando a pele,

Ao passo que a alma incrédula

Congela com os ossos.

A cena vai martelar na mente

Por alguns dias, meses, eras.

Começou um novo espetáculo.

Ascendam as luzes,

Ou então não façam porra nenhuma!

Eu pensei em rasgar as pétalas,

Mas as flores plastificaram-se.

Eu devia adormecer,

Já que ainda estou preso,

Mas seria inútil;

Seria o ambiente perfeito para pesadelos.

Prefiro simplesmente voltar para casa

E escancarar a ferida.

Algumas pessoas conseguem esquecer o todo

Em poucos dias, eu preciso de séculos.

Posso parecer arrogante,

Mas na verdade estou secando.

Nem mesmo consegui aguar a face.

Misturo impunemente

A raiva e o bem-querer,

E isso resulta num poema torto, quase descabido.

Em doses maciças

As sensações da violência

Entorpecem a racionalidade.

Eu vou procurar a saída

E fugir descaradamente.

Não quero ser um expectador frustrado,

Como também não quero

Quebrar uma garrafa

E desfigurar o rosto de alguém que não conheço.

Vou sair assim, sozinho, às escondidas;

Assim não estrago o primeiro Ato

Desta montagem categoricamente ridícula

Que distorceu a idéia do autor.

Volto a ser um lápis.

Uma hora depois do óbvio.

Já estou sozinho com minha confusão.

Vasculhando meu livro favorito,

Procurando por uma palavra, uma frase

Que substitua o medo.

Talvez eu me esteja afogando;

Ou apenas perdido diante de novas letras; desacostumado!

Vou sim abraçar a dor; como sempre fiz.

Talvez eu a transforme em tinta.

Eu que já vinha desaparecendo,

Agora com essa bigorna nos ombros

Serei novamente tragado por fim.

Vou me permitir essas loucuras

Que sempre me salvam.

O temperamento foi imediatamente

Imobilizado por algum hormônio

Que se espalhou em mim

No momento do óbvio;

E essa imobilização

Vai sustentar o desânimo

Pelos próximos

Cem milhões de minutos;

Mas assim eu estarei a salvo

Felipe Melo
Enviado por Felipe Melo em 10/02/2005
Código do texto: T3912