Corvo

Corvo

maria da graça almeida

Alheia, a ave, em voo a alongar-se,

perdeu-se do ninho, não soube voltar.

Na tarde serena, mirou suas asas

e das próprias penas montou nova casa.

Um pequeno ovo, no chão esquecido,

um ovo de corvo a ser aquecido...

Precioso tesouro em vala inda rasa,

tal prata ou ouro, guardou sob as asas.

A ave, em seu leito, com zelo o deitou

e, sem preconceito, com jeito o chocou.

Nascido o corvo, perfeito, ele sai,

assim feito o povo, levanta e cai.

Liberto do ovo, o novo estorvo,

bizarro transtorno, estranha o pai.

E, num vão repente, fitando-o de frente,

o corvo, inclemente, extingue-o e se vai...

Quem não tinha vida, da vida tem mais,

quem lhe deu a vida inerte, então, jaz.

Do que ora digo, não escapa ninguém:

nem todos os que ama, o amam também.

A ingratidão denigre o ser,

estreita os caminhos, sombreia o destino;

é força cruel, não paga para ver,

não poupa, nem mesmo, anseios franzinos.