As pirâmides

Constroem-se pirâmides por devoção,

Por ambição, por medo.

Juntam-se todos os trapos, todas as memórias, tudo o que arde

E o que não arde bem, por medo, outra vez,

Por necessidade, por fome, por água.

As pirâmides fazem-se muito antes de juntar pedras, enormes calhaus.

De preguiça, de sono, de cobardia, por inteligência.

Fazem-se noutra altura em que se adorou outros deuses, se usou outras armas,

Se viveu outro karma.

As pirâmides servem para nos colocarmos em cima delas,

Para ficarmos mortos dentro delas,

Para olharmos de fora para dentro.

Colocamos todos os dias uma pedra, depois outra, de mármore de granito,

De zinco, de plástico, de urânio. Fabricamos adornos todas as noites, com sonhos,

Com palavras roubadas. São os nossos poemas, os meus poemas, todos os poemas.

Escolhemos as pirâmides porque elas são altas e visam o céu. São perfeitas,

Mais que os zigurates astronómicos, mais modernas e fiáveis, mais exuberantes, ecléticas

E explícitas,

Servem-nos para quase tudo

No dia a dia, usamo-as no automóvel, no mercado, na praça, no café.

Às vezes estou vestido de pirâmide bebendo uma bica e olhando uma mulher

Que fica apaixonada pela pirâmide e me pede o nº de telemóvel

São as pirâmides da nossa vergonha, são a minha vergonha, vestida de deserto.

Matamos o suícidio com elas, fazemos a barba cá fora, olhando-as com carinho

Como um espelho, temos faraós cobiçando-as, reis ouvindo-as.

Pensamos que não precisamos delas mas elas correm atrás de nós.

Constantino Mendes Alves
Enviado por Constantino Mendes Alves em 07/03/2007
Código do texto: T404735