AJUDA-ME A GUARDAR AS HERAS

José António Gonçalves

cuida-me das heras enquanto batem

as badaladas das igrejas chamando os fiéis

às prestações das suas contas

com Deus e a consciência

não adormeças contemplando a parede

nem permitas o salto aos gatos ignorantes

nem a visita destruidora dos pássaros sábios

nem a passagem das lagartas

disfarçadas de pavões

estarei longe viajando pela mente em cósmica

aventura debruçado sobre as páginas dos poetas

malditos carentes de amor e de sol fechados

nas arcas poeirentas do tempo e do medo

aconchega-te a mim e vigia as heras

porque estou em longínquas paragens

nadando nas profundezas dos versos antigos

nos limbos dos versos novos

enfrentando as feras os povos os amigos

todos os que me acompanham nas viagens

em mil caracteres de codificado segredo

não te canses peço-te

de me guardar as heras

eu pago-te com a memória da poesia

ainda por escrever

nos índices de Poe do Herberto ou Verlaine

de Rimbaud e Pessoa e talvez Whitman

se acaso a souberes ler nos dedos do vento

aí por qualquer dia.

José António Gonçalves

(2.6.04)

JAG
Enviado por JAG em 19/08/2005
Código do texto: T43718