Galope

Eu queria querer, mas não podia.

Ordenava aos meus olhos que brilhassem,

implorava às mãos que tentassem, em vão, agarrar um rosto,

ordenava mesmo aos poros que gritassem e vomitassem suor,

e que os joelhos tremessem,

e que rangessem os dentes,

e que esfriassem os pés,

a barriga

e o resto do mundo.

Implorava a mim que houvesse qualquer parte minha querendo,

qualquer mesmo,

um suspiro, ao menos, cor de rosa.

Um pelo, que fosse, arrepiado.

Nem que fosse uma leve quentura entre as pernas...

Eu rezava; rezava aos meus deuses que pecassem de amor,

ou mesmo de luxúria.

Às minha unhas que quisessem cravar naquelas,

ou em quaisquer outras costas,

mas não queriam, nem quereriam - estavam pintadas.

Eu rezava crente pra que meu sorriso sorrisse,

pra que ao menos quisesse mostrar o canto da boca,

mesmo que um pouco falsa.

Mas, não.

Tudo que eu tinha era um longo e solene NÃO

retumbando nas minhas entranhas,

nos meus escombros,

nas minhas sedimentadas dores de anteontem e dos anos

(essas dores secas cujo gosto esquecemos, infelizmente,

senão ainda serviriam pra escrever um conto).

Não havia nada senão um NADA,

seco e duro,

podre,

grande,

a me opacar as vistas e mesmo as sensações.

Era um vazio que eu mastigava.

Dentro do peito nenhuma pouca fagulha findando,

dentro da íris pura sombra.

Lembrei-me de que já quisera esquecer pessoas e amores,

e que já me debatera contra os ciúmes,

as solidões,

cifres e coices.

Mas agora sabia-o que não sentir saudade

é pior do que morrer de amor,

e que viver marchando

não é melhor que morrer a galope.

Yah Vasconcellos.