Nascimento de um poeta

Nascimento de um poeta

maria da graça almeida

Para nascer um poeta é preciso de fantasia;

de doses de paciência para despertar velhos mitos;

de um bocado de carência e do peito em agonia.

Para nascer um poeta tem que estar a ironia

com as pontas e as arestas na mira dos ritos

desvairados dos poemas e delirantes da poesia.

A vinda de um poeta não desponta lenta, quieta,

ocorre na madrugada como um acelerado furto

ou feito a rapidez da queda de um fruto

ou como súbitos acordes de antigas serestas

ou tais quais bruscos finais de conturbadas festas.

É um nascer repentino, porém de dorido parto;

requer as estocadas de um malfadado caso;

a língua ferina da bocarra do inimigo;

as dores mais profundas de um coração partido

as lembranças consternadas de certos desamores

os espectros sombreados dos domingos incolores.

O nascer de um poeta acontece com a espera

da primeira primavera que descerra a euforia

de inatingíveis quimeras ou do frenesi das alquimias.

O nascer de um poema objetiva única meta

que aponta cada letra com o acúleo de uma seta

ou com a ponta enferrujada de enviesada flecha.