Precisais dos poetas para dar coerência aos sonhos

Para o Grupo Galpão

Por mais que me olhais eternamente,

nunca me conhecereis por inteiro.

Pois o que sou, sou em fragmentos.

Apenas.

E a penas me construo:

porque sou um poeta e não menos.

Nem coxo, nem gauche, nem divina criatura:

um corpo de carne e osso e palavras na estrutura.

E sonhos.

E loucura!

E vós.

Sonhais?

E o que fazeis disso?

Dissérei-lo e corrêreis riscos.

Aquietai-vos e terá início

a angústia dos seres vivos.

Pois uma vez sonhei que punham muita alegria nas saudades!

E que eram vales os mares e campos os lares

dos marinheiros peixes, que eram pedra de prata e vinho,

como os albergues e os caminhos que dão nos vãos

e que vão aos grãos e quando então o pão

era de carinhos, as matas não o cabiam,

mas cambiavam os ninhos em ternos azuis.

E sonhei que eram calvos os leões e cavalgavam nus urubus.

E daquilo que não se conhecia o nome, chamáveis tu.

Eu assim sonhei porque sou um poeta.

Preciso de todos, mas não preciso de lógica.

E não preciso explicar nada.

Não credes?

Olhai e vede como revelo o

[oculto]

e oculto as obviedades,

vede com que desteridade

trato as palavras, olhai,

caríssimos mortais,

e vede como as manejo,

vede meu traquejo

pra passar do ódio ao beijo,

e ao queijo, depois ao Tejo

e agora estou em Portugal,

e agora sou um animal

e sou um poeta.

E vós, quem sois?

Olhai e vede como construo esta rede,

como teço as palavras em laços de amizade,

olhai, terníssimos, olhai a intensidade

desta minha linguagem que cria miragens

e desertos, imagens rupestres e criaturas

bitológicas, entes, tudo numa mesma arquitetura.

Amorfa e ilógica. Mas coerente.

Estranho achais?

Pois se soo arcaico e demasiado solene,

é apenas porque sou um poeta,

e o tempo não me é perene.

Nem ontem, nem hoje (nem mesmo o instante!),

a anacronia, errante, me fazendo companhia.

É esse o meu dia a dia.

E assim, se podeis me olhar,

Olhai-me, ora pois, de novo.

Sou mais simples que um ovo,

mas é tão complexo ser simples

que apenas um poeta e seus crimes

dão conta dessa aventura – galinácea ladradura –

bebendo cerveja (inventada, nem que seja)

e embriagando-se. É crua a vida...

Vede, almas amigas, que artifícios utilizo

pra chacoalhar meu guizo e explodir em fogo.

Lava. Lodo. Fécula do povo.

Para que mais tarde,

Quando me olhardes ternamente,

meus olhos vos digam segredos

que habitam meu coração.

Mas nem todos e no entorno –

que sem mistério, não há expressão

dessa vida que tanto questiono.

Assim, nessa logomaquia,

de todas as destrezas

uma única clareza:

a mim foi dado o dom da poesia.

Vou exacerbá-lo!

(com o perdão dos possíveis abalos)