A tristeza matou os peixes que nadavam nos teus olhos

A tristeza matou os peixes

que nadavam nos teus olhos

envenenou-os de um fel sem nome

numa mágoa sem praia ou areia

onde estender o teu sorriso antigo

agora branco de uma cal egípcia

que te pinta o rosto

e te seca os veios.

A tristeza matou os peixes

que já não procriam no sol posto

nem desovam no delta dos teu seios

nem saltam os obstáculos dos açudes

imponentes e viçosos

como quando te davas em feixes

nos dias quentes de Agosto

A tristeza matou os peixes

secou os lagos dos teus desejos

levou para o mar todo o sal

que trazias ancorado nos teus beijos.

Agora és um barco encalhado

num lodaçal de deslizantes enguias

que serpenteiam pelo teu ser adentro

extasiadas pelo cheiro podre da madeira

e te povoam o ventre molhado

na contagem decrescente dos dias.

Esse pássaro que risca o céu

saudoso dos peixes em boliço

e avista a tua carcaça no ilhéu

é a tua alma

mas tu não sabes disso.