Sem título(87)

Na outra margem Lurdes

Na outra margem…

À margem de ti

Sem sal semeado no meu rosto

Sem memórias de súbitos esquecimentos

Sem lembranças indeléveis

Sem estradas ou marés impercorríveis

Vais no teu sereno e inconstante caminhar

Sem margens de mim e de ti

Dimensionas o rio como oceano

Afastas o horizonte da linha do meu olhar

Sem margens Lurdes

Sem margem para acostar

Sem margem para coisa nenhuma

Na margem de nenhures

Eu nunca regressei à tua margem

E era de papel e de brinquedo de menino o meu navio

E tudo era a sublime ignorância nas águas que nos moviam

E o navio era o baptismo do nosso amor

Ignoro agora qual o navio que aporta no teu cais

E já nem sei dos olhos que transbordam em outras margens

E só cuido de saber-te na margem da liberdade

Na rosa e no fruto

Na margem das fragrâncias ardentes da fome vermelha

Olvido as pontes que se possam percorrer

Refuto as margens sem rio de regresso

Conto margens

Em rios me liquefaço

E nem sei jamais

Por quantas margens se marginaliza o amor

Dionísio Dinis