Francisca

Francisca está esquecida

Permanentemente esquecida.

Mas Francisca tem vida,

Vida que o corpo cansado,

Que não se desloca sozinho,

Todo dia deixa o recado...

Nos olhinhos às vezes distantes,

Nas mãozinhas ainda ágeis,

Na fome assim bem constante.

Na voz tão bem clara,

Na pele fina e bonita,

Na fala de sentido rara.

Atrás, anos atrás,

Quando os fatos não lembrava,

Diante de nossa espera,

O enredo ela inventava.

E vinha Mar de Espanha,

Onde a singela professora

Dos rudimentos das primeiras letras

Se apresentava como uma doutora...

Era delicioso ouvi-la mentir,

Sem escrúpulo, assim à larga.

Falava-nos sem compromisso

Da missiva de Getúlio Vargas.

Da carta que o presidente

Lhe escrevera certo dia,

Parabenizando dona Francisca

Pela grande maestria.

Hoje ela não conta longas histórias.

De vez em quando num lampejo,

Vemos-lhe a graça da memória.

Não importa, não importa,

Ela vive, tem saúde.

Está distante deste mundo,

Em que se sofre amiúde.

E no filho devotado,

Que a assiste todo dia,

Nos premia com a lição

De quem ama e dá valia.