MINHA AGONIA ECOADA GRÃO A GRÃO

Ela estava mais linda que nunca.

Seus lábios pareciam farpas afiadas,

tresloucadas, afincadas num torpor de granito

que nunca senti antes.

Embebia sua língua com meus fiapos de sedutor

barato, pingando suor pelos cantos do quarto

numa enxurrada implacável.

Seus cabelos se mostravam requebrando

pra mim, numa cadência bêbada que dava dó.

Pegava naquelas mãos roucas, pilhadas,

escravizadas num gozo entremeado,

surrado, infeliz.

Seus mamilos valentes diziam quero mais,

numa lânguida agonia que nunca pedia o fim.

Descia por aquele dorso inflamado,

um tanto capenga, que um dia me serviu

e agora para nada mais se presta.

Vi seus olhos enlameados, rasteiros,

como poças de solidão dispersas e

surradas.

Suas pernas abraçavam as minhas

num tango mirrado que nos fazia chorar,

por vezes até orar.

Quando a virava de costas para me atracar

naquele néctar alucinante,

virava garoto, cuspindo meus cabelos

brancos para os confins do inferno.

Assim nos amamos numa réstia de

fugidos, num flácido folguedo que

uma dia chamamos de desejo.

Nos cravamos um ao outro

feito legado cabisbaixo de um viajante

fugaz, que agora não quer nada além

de um aceno, de um prato de fé.

Depois da folia, no deitamos como

reis após a farra, como foi bom, como foi...

Saímos daquele matadouro vingados,

um tanto bambos naquele chão escrachado

que fizemos da nossa cama.

Foi o dia mais nuclear das nossas andanças,

algo que nunca mais iremos deixar

escapulir uma fagulha sequer.

Morremos extasiados pelos vãos

soturnos de uma vida que agora

nem pó mais conservava.

Nos acabamos para sempre,

mas com as rédeas rasgadas,

os motins surrupiados e

a agonia ecoada grão a grão.

Grão a grão e nada mais.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 13/12/2017
Reeditado em 13/12/2017
Código do texto: T6197656
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