CERTA É A BARCA A ATRAVESSAR O OCEANO

José António Gonçalves

Certa é a barca a atravessar o oceano;

o resto é puro engano. Onde havia a arca

dos segredos, do achar as terras santas,

ficaram brasas nas plantas, a sorte dos medos

interpenetrando-se nas águas, marinheiros

destemidos, vencedores de mágoas e dos idos

de outras invernias. Nem contavam os dias

e com a morte na bandeira, à sombra da vela,

cumpriam a rota inteira, gabando-se sempre dela

na chegada aos portos. A demora da partida

dependia do saque; desprezando a vida, o baque

provocado pelo rasto dos mortos, voltavam ao mar.

Não olhavam para trás. Não havia ninguém

a acenar; perdida a paz, voltava o sofrimento.

Um perdeu a mãe, outro o filho, alguns o pai.

Incendiava-se o rastilho da guerra. Para o apagar

nasciam outros, semeados pela terra, onde tudo

se esvai. O sangue, o amor, a esperança, a poesia.

Certa é a barca a atravessar o oceano; o resto é puro

engano. Ninguém olha o horizonte ao meio dia.

JAG
Enviado por JAG em 26/08/2007
Código do texto: T624323