LITURGIA
lilian maial

Não! Não mais derramarei lágrimas pelo homem!
Já vai longe o tempo de infância das traquinagens e das gargalhadas.
Depois a época de crescer e absorver.
Um mosaico de impressões, um caminho de amanhãs, o aprendizado.
Tudo pronto para erguer a casa.
E ele demoliu as vigas. Tombou os troncos. Derramou a seiva.
E veio o fogo, o sangue, o silêncio.
Não! Não lamentarei o dia sombrio, o medo, a mordaça, o açoite!
Eu o vi depor as armas, minar as forças, encapuzar os sonhos! Eu vi!
Presenciei o engodo, a discórdia, o ódio.
Contei os erros, implorei por misericórdia, doei palavras para a necessária mudança.
Em vão.
O homem não ouve o que não quer, é cego ao que não seja seu interesse.
Então, não! Não darei absolvição dos crimes contra as memórias de um tempo leve!
Não sepultarei a dor em mortalha de trapos!
Que ele se regozije com a morbidez!
Que ele exulte com a glória dos troféus de areia!
Que cante seus hinos de louvor à submissão!
Por isso, não! Não chorarei pela miséria do homem!
Não serei mais uma voz a lamentar e apontar, a perpetuar a inércia e o desespero!
Direi apenas aos seus filhos que eles herdarão a empáfia e a sordidez, o ofício pátrio do execrável, a arrogância da escravidão da criança que mal abriu os olhos ao mundo.
Deixarei que carreguem o fardo.
Não mais derramarei lágrimas pelo homem que desistiu do homem.


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