o diabo na encruzilhada

numa noite doida e quente,

quando ia a lua alta,

quando nenhum vivente

passeava ou viva alma

assombrava a viva gente,

apareceu-me em redemunho,

bem no pé da encruzilhada,

um cachorro grande e escuro,

que brancas presas ostentava,

que me olhava já com raiva,

como fosse me matar.

um cão de porte, que, sem calma,

parecia levar minh’alma,

para nunca mais voltar.

eu fiquei parado e tonto,

olhando o brilho dos seus olhos:

um vermelho, um branco, um roxo,

um frio tenso nos meus ossos

me tomou, e o tal cachorro

com seu olho reto ao meu,

disse: “me dê sua alma”…

ao que meu corpo estremeceu…

naquela doida madrugada,

quando frente à encruzilhada

eu voltava pro meu lar.

aquele cão falava

e a mim me parecia

que queria me matar.

me pus de joelhos chorando,

pensei: “é a morte vindo!”,

quando percebi ele olhando

para o lado e saindo,

como num encanto,

do meio da plantação

um homem torto e maldito,

com unhas grandes nas mãos

e os olhos também em brilho

como se fosse o filho

do inferno a me acorrer.

eu fiquei mudo e sem fala,

nem minhas pernas, nem minh'alma

mais parava de tremer.

“ó meu Deus!”, falei comigo,

“por favor, só me protege!”,

e o homem, sempre vindo,

esfriava a minha pele,

vindo sem qualquer sorriso

e, então, nos meus ombros

pondo as mãos e me dizendo:

“me dê sua alma,

me dê seu segredo!”,

o que me tomou de medo

e, sem poder suportar,

caí no chão sofrendo,

chorando como um rebento

que acabara de chegar.

pergunto, perdido em choro,

com a cabeça entontecida:

“o senhor e o seu cachorro

são seres desta vida?

são parte deste lodo,

destes sítios em que habita

gente de decoro,

honesta e dintinguida,

sem terra e sem ouro,

são gente como todos

nós que moramos aqui?

é noite, eu venho com sono,

me digam, por favor, eu sonho,

ou minha alma vêm pedir?”

surgiu grande gargalhada

e do céu desceu horrendo

um demônio com uma faca,

que parecia sedento.

“era esse que me matava”,

levantei-me, por mais que tremia,

quando o demônio se aproximava

e com voz tremenda pedia

se a alma eu lhe dava.

meus olhos fixos na faca,

certamente pra me matar.

não havia nenhuma falha,

a minha hora chegara

e o demônio foi me buscar.

olhei-lhe e abri os braços:

“me leve desta vida azeda!

não tenho quaisquer regaços,

só sofro correntezas,

não tem quem guie meus passos!

crave essa faca em meu baço,

demônio filha da puta.

mate-me ou eu te mato

como qualquer coisa alguma.

sou filho dessa lua

que alta brilha no espaço,

que me traz aqui na rua,

nessa encruzilhada escura,

mais força a meu braço!”

o demônio se apartou,

nos meus olhos olhando,

disse: ”ninguém ousou

a mim estar desafiando.”

então titubeou

entre esfaquear-me ou não.

mais fundo me olhou,

com os olhos do cão,

e de novo falou:

“você me ganhou

porque é como eu.

mas lembra que aqui estou,

que o diabo sua saúde tomou.”

e sumiu pelo breu.

não vi mais nada na frente.

comecei a caminhar.

não fugiu nunca da mente

a visão que tive lá.

ficou em mim para sempre

tanto que sonho com ela:

sonho com o diabo entrando

agora pela janela,

sempre me atormentando.

e pelas ruas eu ando

sempre com medo dele,

esperando quando,

eu possa destruir o encanto

dessa maldição

em minha mente.