A Cigana da Estrada: uma história
Lá vem ela, pela estrada, bela e faceira
Na face um sorriso, nas mãos um pandeiro
Não anda solitária, a lua é companheira
E traz o peito cheio de amor verdadeiro.
Gargalha, canta, encanta e dança
Em volta do fogo que ao frio aquece
Traz nos olhos negros a esperança
Que aos batalhadores da Fé oferece.
A vida é sua guia, o mundo sua morada
É fiel aos seus princípios e dignidade
E paredes não a trazem aprisionada
Porque é amante inflexível da liberdade.
Dança, inebriante, enquanto a lenha
Crepita pelas chamas consumida
Olhos querem que a eles ela venha
Mas ela só vai onde lhe manda a vida.
Enquanto gira em torno do fogo sagrado
Tocando e cantando com divina perfeição
Busca com o olhar apaixonado
Os olhos de quem lhe roubou o coração.
Mas atrai olhares e sorrisos libidinosos
De quem lhe deseja apenas por prazer
Sentiu, então, soprarem pavorosos
Os ventos do medo e o frio lhe entorpecer.
Apagou-se dos olhos cálidos a alegria
E o sorriso farto nos lábios, do tremor,
Escondeu-se pressentindo já a agonia
De que seria vítima com tanto horror.
Era a linda cigana de roupas multicolores
Das outras mulheres vítima do despeito
Que silenciarem diante dos cruéis agressores
E permitiram sua violação no telúrico leito.
As lágrimas desceram-lhe pela alva face
E a terra, maculada de sangue inocente,
Recebeu seu corpo após o desenlace
E, naquele lugar, esterilizou-se inclemente.
Não se fez mais festa, a lua sumiu
E do chão nada mais brotou
Até que a justiça um dia se cumpriu
E seus algozes, um a um, ela buscou.
Hoje anda pelos caminhos da Existência
A ajudar a todos que lhe pedem amparo
Mas agindo justa e sem clemência
Contra os que lhe traem o confiar tão caro.
É a linda e livre Cigana da Estrada
Livre feito vento e, como a água, envolvente
Vivifica e queima como a chama sagrada
E na terra recebe quem lhe é indolente.
Cícero – 06-06-2019