TALVEZ
Talvez a tarde marfim envolva, em sua seda roxa,
esta saudade rouca que agita a neblina de estopa
e pouca, no instante inusitado, caia, da luz, a garoa.
Talvez nada mais reste deste cinza, além do lúgubre
degradê de chumbo da alizarina suavíssima que surge
no cangote da chuva ainda suspensa e presa nas nuvens.
Talvez o espectro veloz do vento roube um almíscar cego
e traga — no bico do melro — um verso novo e inquieto
e o poema, enfim, pouse perto — que saia da larva, o inseto.
Talvez haja alguma manhã nostálgica bem agora no auge
das doze horas: meio-dia presente que não deixa o embate
e a dança do ventre da cortina alterna os âmbares da carne.
Talvez tudo seja talvez. Talvez nem tenha havido esta tarde.