RÉQUIEM EM DOR MENOR

no tempo em que despencam bolsas suicidas de

um arranha-céu fincado no coração

de Wall Street

um velho colhe feijão para o almoço

(enquanto durar o feijão

este será o único alimento da família)

uma leve recuperação do índice Dow Jones

dissipa as nuvens de terror que circundavam

pensamentos de corretores e sedentos

"home broakers"

chovera na véspera

o velho está feliz e pensa que ainda poderá

semear jerimum e macaxeira antes do Natal

o dia é propício para investimentos

no setor siderúrgico

mas nada se compara aos títulos das empresas

petrolíferas, após a descoberta de novas reservas

no ártico norueguês

com suas mãos rugosas e dedos forrados de calos

o velho revolve a terra ainda úmida

quando a dor aguda da peçonha caminha do pulso

até o pescoço, constringindo-lhe a respiração

um jovem de vinte e poucos anos é convidado

a dar entrevistas em jornais e talk-shows

para explicar como tornara-se milionário em menos

de um ano

e tudo, ele explicava, era fruto da sua coragem e

ousadia

o velho grita pra dentro da casa

e pede que a companheira traga-lhe o facão e

uma camisa velha

com o antebraço esquerdo estendido sobre o jirau

sequer o velho pisca

e num golpe certeiro decepa o pedaço de corpo

maculado pela peçonha

e com a camisa embebida em sangue

deita-se na rede

* * *

Goiânia, 30 set 2007.

Glauber Ramos
Enviado por Glauber Ramos em 30/09/2007
Reeditado em 30/09/2007
Código do texto: T675407