GUERNICA


O ar ficou cinzento
e as nuvens tombaram
como papelão ensopado
em peçonha.

As línguas cuspiram
estilhaços de vento.
Destroços de gritos
cobriram a calçada
e olhos, arrancados
aos risos das crianças,
rolaram nas valetas.

Cavalos relincharam fúrias
como monstros
e os touros urinaram na treva
o sangue das faenas.

Rostos e corpos quedaram-se
frios e inertes
como mármores chamuscados.
Só um braço ficou pendente
segurando uma candeia
a envergonhar o Sol.

Nesse dia, tudo parou,
até a Morte
sem ter mais que fazer.

Apenas as bombas
continuaram a cair,
explodindo, explodindo
como sementes de ódio.

(E o Pintor estremeceu
com o sangue sufocado
por soluços de raiva).
CARLOS DOMINGOS
Enviado por CARLOS DOMINGOS em 08/11/2005
Código do texto: T68771