Nunca pretendi que o sol fosse aquele barco

Debaixo do céu

ouço a chuva cheirando à terra,

caindo aos poucos como goteiras cristalizadas

no telhado daquela casa

onde ninguém vive há muitos anos

e bem, lá estou eu

vendo a chuva detrás da janela partida em cacos

- a extensão das goteiras arriscando fios luminosos

até o chão

e é como se eu não estivesse nesse lugar.

Penso que a felicidade são

as goteiras daquele teto caindo.

Então um barco

da minha infância vai triste pela enxurrada

feito um náufrago.

Hoje o espaço que há entre a minha voz

e o silêncio é a eternidade.

Chover, agora dói,

sobretudo na alma.

No entanto é como se não chovesse.

Olho atravéz da janela a minha frente:

"eu nunca pretendi

que o verão fosse aquele barco

indo sozinho ao encontro do nada."

Mas nas frases, o sol era um livro aberto de gravuras

que passava como as horas

- um relógio de folhas caídas, os ponteiros martelavam

sem pressa sobre o café abruptamente

abandonado à mesa,

tudo misturado, enfim.

O Sol ao longe se

desdobrava na manhã

como um ladrão.

Leo Linares
Enviado por Leo Linares em 22/10/2007
Reeditado em 22/10/2007
Código do texto: T705491