Nunca pretendi que o sol fosse aquele barco
Debaixo do céu
ouço a chuva cheirando à terra,
caindo aos poucos como goteiras cristalizadas
no telhado daquela casa
onde ninguém vive há muitos anos
e bem, lá estou eu
vendo a chuva detrás da janela partida em cacos
- a extensão das goteiras arriscando fios luminosos
até o chão
e é como se eu não estivesse nesse lugar.
Penso que a felicidade são
as goteiras daquele teto caindo.
Então um barco
da minha infância vai triste pela enxurrada
feito um náufrago.
Hoje o espaço que há entre a minha voz
e o silêncio é a eternidade.
Chover, agora dói,
sobretudo na alma.
No entanto é como se não chovesse.
Olho atravéz da janela a minha frente:
"eu nunca pretendi
que o verão fosse aquele barco
indo sozinho ao encontro do nada."
Mas nas frases, o sol era um livro aberto de gravuras
que passava como as horas
- um relógio de folhas caídas, os ponteiros martelavam
sem pressa sobre o café abruptamente
abandonado à mesa,
tudo misturado, enfim.
O Sol ao longe se
desdobrava na manhã
como um ladrão.