SAUDADE COM SABOR A CANTIGA

Certo dia, quando a aurora ainda

De seu sono a despertar,

Peguei meu alforge de branco linho

Tecido por minha mãe pra seu filhinho,

E enchi-o de recordações

Para delas me alimentar na viagem

Que estava prestes a começar,

Lá para as bandas do p. de Leixões.

Juntei uma nesga de musgo dum muro

Acho que tão velho quanto o tempo,

Peguei uma réstia de sinfonia

De certo melro trovador,

Que cantava à porfia

Com certo bandolim tocado com maestria

Por um velho professor;

Uma lágrima eu tomei

Do meu rio lacrimoso, que passava,

E um tantinho da tramela do moinho

Que a mesma cantiga sempre trauteava.

Lá nos pinheiros altos colhi uma pena

Dum gaio magestático e altaneiro

Pra enfeitar minha fantasia,

De ainda um dia

Eu também poder voar;

A lembrança dum pisco arisco guardei,

Que para os insetos abocanhar

Parecia sobre o telhado da casa bailar,

Que já foi do pai do meu pai;

Ah, e o meu gato matreiro!

Que no borralho sonhava a tempo inteiro

Com o petisco, que era o pisco.

Guardei uma Ave-Maria

Que no sino da igrejinha tocava,

Para que me valesse na grande travessia,

Que para terras de além-mar me levava

Das quais eu nada conhecia.

De passado e presente

Um alforge de sonhos abarrotei,

Até mesmo a carraspana de aguardente

Que certo dia me fez ver o mundo

Mas, de pernas pro ar;

Do futuro, pra que falar?

Se de futurologia nada sabia,

Muito menos adivinhar.

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 27/10/2020
Reeditado em 27/10/2020
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