Últimos dias

Aquela senhora/

Teimosa, sofrida/

Mãe negra/

De tanto que andava/

Fora reduzida a rede/

Sua vida era lembrar/

Confundir as pessoas/

Do tempo não sabia mais, se acontecia/

Na madrugada/

Feito criança levada/

Cantava, irritava, birrava, xingava e se exaltava/

As vezes chorava/

Não falava coisa com coisa/

Depois do nada ela agradava/

Nas suas limitações/

Sem palavras escolhidas amava/

Ria, queria colo/

E logo adormecia/

No seu caminhar/

Falando, contava histórias/

Que no outro dia repetia/

Numa manhã, porém, adentramos no leito exaurido/

Ela olhou pra nós/

Com as lágrimas nos olhos/

Soltou um gemido/

Porque o som da sua voz não mais reproduzia/

Porque as pernas cansadas atrofiaram/

Porque os olhos não viam/

Envelhecida pelas circunstâncias do que segue a vida/

Ela descansou na morte, deixando essa saudade como liturgia/