“E era outra a origem da tristeza.

E era outro o canto que acordada o coração para a alegria.

Tudo que amei, amei sozinho".

Edgar Alan Poe

ESQUINAS



Não me compadeço deste grito que alcança o infinito e chega escorrer enquanto as portas se fecham. Não me compadeço deste horizonte entalhado, que aparta o dia e a noite incendiando cartazes de ninfetas esquálidas, erráticas. Anjos da discordância que sucumbem na solidão cárnea que arrebata a cor de cada olho cego. Não me compadeço nem deste sol a pino que seca a mão e o ventre daquela que inutilmente pode parir, e esconde sob o lençol sujo de sangue e barro, colocando-se na mira das carabinas. Não me compadeço destes pássaros famintos e suas asas abertas, estendidas nas paisagens da imaginação revelando a densidão de cada voo, nem das suas carnes magras que revestem a brancura dos seus ossos enganosamente imortais. Não me compadeço desta multidão enlouquecida e seu cheiro de urina e suas sombras decapitadas e seu riso febril, instrumento das ladainhas que mistura angustia e cal, no pão seco dos filhos desta fome. Não me compadeço dos meninos e suas dores, do sono dos homens, das mãos calejadas, do relógio que desandou, da aliança que não se fez, do sonho que acabou, do cheiro do estrume, da lágrima da virgem, do pó da terra, do leme do barco, da vida em riste, do muro triste, da menina que ri. Não me compadeço do amor e seus tormentos, seus véus caídos, seus aleijões, sua desfigurada sonolência, sua incerteza, sua covardia, sua dor e seu humilhante ofício de enganar. Não me compadeço da vida nem da morte. O que me seduz é esta desesperada solidão arquejante aflita, quente, sofrida. Me engolindo, me castigando a amplidão do olhar que ainda contempla noites frias e azuis onde o silencio propicia o corte preciso e suave e o gotejar solene deste vermelho delírio insano que corre em mim.