DIGO SERENIDADE

                 (À memória  do poeta Raul de Carvalho)

Pronuncio o teu nome de vagar:
se-re-ni-da-de.
Serenidade não é a morte
nem o sono letargobarbital.
Não é a demissão do espanto
nem do sonho.

Serenidade é talvez a recusa
do sobressalto em riste,
do delirium tremens,
da urtiga espalhada no sangue,
do nevoeiro sem farol
em olhos sedentos de mar.

Serenidade! Alerta geral sem pressas.
Sorriso na gávea para a estrela de alva.
Admissão da dor sem pranto,
chuva cerrada na montanha
que não destrói as lágrimas do rio.

Serenidade!
Cantar cada vez mais alto sem gritar.
Sonhar cada vez mais longe sem esquecer.
Correr cada vez mais rápido sem pisar
o pássaro caído.
Amar cada vez mais fundo sem morrer.

Serenidade é casa construída
de pedras e tijolos e certezas distantes
com um átrio de esperança a tremeluzir.


Serenidade é o tom em que tangemos
as cordas do silêncio,
nós, que estamos por dentro do temporal,
que sentimos a maré de cada gota,
que acreditamos, esperamos e sabemos.

Sim, sabemos que o Sol
vai regressar para expulsar a noite
ali onde o nosso dedo apontado
feriu o horizonte.

Nós sabemos (e por isso sorrimos)
que amanhã, de manhã cedo,
talvez antes do Sol se levantar,
desabrochará uma flor
da raiz da nossa mão.

Sabemos e por isso não dormimos.
CARLOS DOMINGOS
Enviado por CARLOS DOMINGOS em 18/11/2005
Reeditado em 24/11/2005
Código do texto: T73298