MARCHA CONTRA O DESESPERO

De norte e sul, dos montes, das planícies,
de toda a parte chegam,
confluem
direitos dilacerados,
fomes em suspensão,
vontades estranguladas,
gritos despoletados.

A torrente dos passos
vai engolindo a estrada.
Mobilizam-se os ecos e as bandeiras,
esfuma-se a paisagem,
precipita-se o tempo já sem horas.

Estoiram as canções e os petardos,
as vozes não afinam - desnutridas,
os mal cuidados músculos fraquejam.
Mas a esperança - esse grande mar da esperança
onde se banha o nosso desespero --
sustenta-nos de pé e a caminho.

O vento solta as vozes das searas
chamando as nossas mãos há muito abertas.
O metralhar dos passos
na distância das máquinas paradas
transforma-se em caudal
de cada vez mais raiva
capaz de submergir
o arame farpado e os valados.

Veneno, armas, traições, botas cardadas,
ondas hertzianas de ódios longos,
correntes e grilhetas areadas,
cercos de off-set, tipo-agressões,
muros papel selado,
polícias-cães-polícias,
matracas, gases lacrimo-ingénuos,
escuridão de masmorra, cemitérios
de silêncio sem paz!

Vós, que enfrentais, tremendo, a nossa marcha,
rendei-vos ou fugi,
entregai a alavanca,
desocupai o espaço!

Bem sabeis que é inútil disparar
contra as águas do rio.
Nada
poderá impedir-nos de ser mar.
CARLOS DOMINGOS
Enviado por CARLOS DOMINGOS em 25/11/2005
Reeditado em 25/11/2005
Código do texto: T76347