ANTI – ROTINA ou Hipocrisia Burguesa

Tempo, ... ampulheta da existência,

Areia gotejada, vida que se esvai.

Recordar é preciso.

Maneira de reviver a vida vivida.

***

No primeiro encontro, teve a impressão de ser mais uma,

Que teria vindo e passado, como todas as anteriores,

Sem maiores conseqüências.

No entanto, mesmo sem convicção, esperava.

Com grande ansiedade esperava,

Muito aborrecido com o eventual atraso.

Desta vez tudo iria correr de modo diferente.

Tudo fora planejado com esmero.

Telefonara-lhe, marcando a hora e o local,

Ficando tudo acertado.

Ansiedade de quem espera, reação de quem deseja:

Consultava o relógio a todo instante.

As ruas estavam repletas, naquele segundo dia de carnaval.

A cidade atulhava-se de gente, às centenas, aos milhares.

Muitos aguardavam o desfile das “Escolas de Samba”,

Que já se preparavam para a grande apresentação.

Nesse momento de suma importância,

Desejos contidos pela ânsia, nada ao redor importava.

Ao longe alguém caminhava ao seu encontro;

Devido à distância, não podia identificá-la de imediato.

Aquelas pernas, o jeito cadenciado e firme de caminhar...

Sim, era ela.

***

Da mureta em que estavam sentados,

Sentiam a agradável brisa que tocava em seus rostos.

E como era gostoso ouvir o mar

Que com suas ondas batia sonoramente nas pedras...

Delirante também eram as luzes que surgiam,

Como por encanto, do outro lado da baía...

Exuberante calidoscópio de cores múltiplas.

Eram como cores ainda desconhecidas.

Cores que talvez poucos tivessem observado sua existência.

Mas eles podiam ver e sentir sua beleza radiante,

Mesmo com suas pálperas cerradas.

Podiam sentir seus cabelos açoitados pelo vento,

Agitarem-se como numa insana profusão de momentos.

O tempo se esvaía...

O mar continuava com sua sinfonia,

As luzes com seus brilhos coloridos...

A noite seguia com seus caprichos....

Quando abriram os olhos, entreolharam-se,

Viraram-se em direção à cidade,

Viram ao longe a massa brilhosa,

Que parecia envolver toda a cidade e seus habitantes.

Também podiam ouvir o som de tambores,

Como que marcando o compasso de uma batalha campal.

Voltaram à posição anterior,

Fecharam os olhos e amaram-se, envoltos pela brisa.

Amaram-se a noite inteira, e já entravam madrugada adentro.

O amor os alimentava, tornando-os fortes.

E nesse transe de amor, pareciam arrastados da terra,

Sempre em busca de sentimentos afetivos,

Podiam ouvir o descontrolado rítimo de suas pulsações.

****

De mãos dadas, os dois caminharam pelas alamedas e jardins,

De encontro à cidade.

Aproximaram-se e foram envolvidos pela contagiante alegria.

Alegria insensata que a todos dominava.

O povo cantava e movimentava-se.

Em suas fantasias, pareciam encontrar uma forma de se identificarem.

Buscavam esquecer a cruel realidade que teriam que enfrentar.

Tudo voltaria ao normal.

O empresário retornaria ao lar com sua esposa.

Voltaria a ser o responsável pai de família.

Assumiria sua posição de homem de respeito,

Retornaria ao seu trabalho, onde trancado em seu gabinete,

Atenderia telefonemas, sorriria aos clientes, “muito amável”,

Sempre na mesma rotina, o que garantiria sua existência.

Em casa, a mulher cuidaria de seus filhos.... seus afazeres domésticos.

Os desocupados e boêmios continuariam sentados nas cadeiras dos bares,

Onde calmamente sorveriam seus copos de chopp.

E assim, teriam que esperar, monotonamente, os dias e os meses passarem.

Tudo voltaria a caminhar normalmente.

Tão normalmente como se aqueles momentos não houvessem existido.

Hipocritamente, tudo voltaria à rotina normal.

Laerte Creder Lopes
Enviado por Laerte Creder Lopes em 06/12/2007
Código do texto: T766648
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