Gula de pensar

Voar é vício que cultivo com pouca água:

minha asa cresce sem eu fazer nada.

A gula de pensar me entontece e abala,

me alimento de idéias e vazo palavras.

Começar sempre e sempre é meu vício,

serviço trágico de Sísifo louco.

Não tenho mais pêlo pra tanto vício,

já virei cordeiro de meu próprio lobo.

Pensar sem ter fim é desatinar,

prender-se em precipício antes mesmo de iniciar.

Quero voar vendo minha sombra no chão,

e não me perder no éter da escuridão.

Pensar com siso é meu intento:

quero começo, meio e fim, sem lamento.

Aparar arestas em fôrma cara

não é podar a asa da ave rara.

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[Este poema participa da coletânea do IV Prêmio Literário Livraria Asabeça 2005, realizada por Editorial Scortecci.]