Atmosfera descalça

Atmosfera descalça

e olhos de espera nas mãos, no entanto.

Por vezes, um gesto de pão

em pingos de cuspo seco que enchem a terra.

Dir-se-ia um beijo de possuir-se,

uma palavra de trapos,

aqui e ali um discurso aterrador, de perfil.

E, no entanto, ferrugem de pneus por cima

e pés de resina,

bairro de lata de prédios sobranceiros,

de olhar recalcado e comichão avulsa,

cimento breve.

Chafariz de luz roubada, as mãos.

As mãos que realizam contornos

e empurram a inércia das palavras

onde as trepadeiras esperam

e se embriagam humildecidas.

Quem sabe das raízes mais velhas?,

dos pedaços mais tenros da floresta?

Eis a moldura

que as paredes anseiam inadvertidas.

A forja.

Bairro de pétalas rasteiras,

ludíbrio fantástico

em que as circunstâncias se envergonham.

Raízes panorâmicas.

Um beijo de lata,

mãe de barro escancarado

por onde entram viris,

os gritos machos, as tocas.

A língua na boca,

na língua,

por baixo,

no delírio mais quente

quando se abrem húmidas

as janelas,

o prumo deslumbrante das estacas,

o frio, o frio.

Estendal de lama, as pernas macias,

escorrendo onde, à noite,

as línguas molham os sexos enrugados,

tempêro exausto no delírio mais terno.

Beijo de lata amarelecida,

atirada fora quando as manhãs se ouvem na cama.

Ouro leve.

Reclame de esperma de olhos longos: um dia.

Crianças sujas de alegria,

de latas submersas, leite maduro.

Zinco atmosférico.

Formigas de seda púrpura.

À hora de nem sempre,

gelados de morango sintético.

Inventário de gelo onde me apertam os olhos

e onde procuro, a medo, uma resposta.

Um dia, criança longínqua

onde se debatem as águas.

Pregos de cinza teimosa nas latas velhas,

esperando o limbo das parábolas,

testamento de mais querer e dar,

palmos de feno seguro

no lugar de si quase vago.

As mãos sem o jeito antigo,

o tempo nem olha.

Barro clandestino,

as janelas encharcadas de pó,

os brinquedos de por aí.

Nacos de mentiras no último acto,

o ponto quase deserto,

intervalo místico de um sem fim

mecânico, querido, sereno.

Ferrugem de quem diria.

Pias de abandono,

os testículos de farrapos caídos,

sargetas refractárias no bolor mais pestil.

Varais de solidão em beijos de sol triste,

os altos moinhos deste poema.

Venoi
Enviado por Venoi em 02/12/2005
Código do texto: T79944