PESADELO (*)

Ouve. Escuta um pouco:

A neurose está roendo minha porta!

Eu te peço! Me escuta um pouco

Acorda um segundo

Um segundo só.

Insone, eu me debato

Contra os quatro cantos do espírito.

Arremesso minha cabeça

No teto imposto do UNIVERSO conhecido

- E o mais são valas.

Escuta o passo,

As pernas passeando no alpendre:

É a poesia!

Me escuta! Eu sou muito pouco

Contra o quatro ventos desta noite.

Meu lençol está banhado em pranto

- Lágrimas do rio onde as mulheres se banhavam –

É nele – rio – que banho o rosto.

Ouve com atenção:

Ela (?) continua lá, em qualquer canto,

Como algures se encontra a minha morte.

Mulher, ouve esta voz que canta, e eu inerte:

Algo me atrai, te trai, me vai levando.

Meus dedos são frágeis

Minh’alma azul

É quebradiça lâmina de céu.

Olha, nem cheiro tenho

Tu és uma pessoa. E eu?

Sinta o baixo em “Come Together”,

A inconfundível marcação do choro de Altamiro:

Que ritmos criou o herdeiro pródigo do samba?

Escuta, mulher, todos já se foram.

Mas, só, ainda esmurro as dobras sem fundo e fim do pesadelo.

Sobrevive somente o pensamento

A praguejar na corda bamba.

Só restou a mim no alto do meu nada

E esta ausência do que vir.

Esse milhão de portas e de lados

Mas ninguém em volta, em volta o abismo, nenhum elo

Mulher, escuta, me acorda!

Só pode ser um pesadelo.

(*) Do livro “O Velho Testamento”, Ed. do autor, 1988.

Nelson Oliveira
Enviado por Nelson Oliveira em 04/12/2005
Código do texto: T80719