Sorte
O amor é como uma droga para mim.
Sempre me vejo atraída ao seu calor
sem fim,
mas, como para outras milhares de almas
sem sorte,
ele é parte das chamas que me destroem
o jardim.
Não raro, me encontro duvidando
do antigo saber que diz que nós mesmos
escolhemos nossos futuros lares
antes mesmo da primeira partícula de ar
nos invadir os pulmões e nos fazer desejar
nunca ter nascido.
Já tive incontáveis desejos repetidos,
mas não me lembro mais de quantas vezes
arranhei minha própria pele
e implorei por nunca tê-la habitado.
Não desta maneira.
Se, realmente, existirem céu e inferno,
sou eu que nunca mais conhecerei
o inverno,
então, por que devo ter de passar por ele
em vida também?
Quando é que deixarei de ser, do ódio,
refém?
Ou apenas útil a alguém quando lhe convém?
Quando foi que deixei a sorte me escapar
tão facilmente dos dedos?
Foi no momento em que pensei
que adoraria viver uma vida fingindo ser
quem não sou?
Ou quando tentei mudar a cabeça
de quem gosta apenas de uma versão minha
que sequer já existiu?
Uma versão que anula sua própria identidade
para agradar quem não lhe faria de volta
nem a metade?
Ou foi quando, ainda criança, vivia escondida
em armários invisíveis e minúsculos,
deixando de fora partes de mim,
sem me importar se algum dia
as teria de volta de novo por fim?
Eu nunca teria saído, se soubesse que seria assim.
Estaria ainda em paz, conversando
com meus amigos imaginários e vivendo
na eternidade de todos os meus (im)possíveis
felizes cenários.