Na Fronteira do Visível
Ele pisa onde a luz se desfaz,
onde o espelho mostra o avesso da paz.
Não traz cetro, mas curva a espinha ao fardo,
não é bardo, mas canta em cada passo.
Lhe tecem mantos que nunca vestiu,
lhe dão reinos que jamais construiu.
É semente na palma do oleiro,
é o primeiro e o último no terreiro.
"Por que me seguem?", indaga ao vento
que lhe traz ecos de mil perguntas.
Cada homem vê um reflexo diferente,
ninguém alcança a sombra que brilha.
É o pão partido antes da fome,
o silêncio no meio do nome.
É o rio que corre no deserto,
o laço que prende sem enlaçar.
Na mesa dos doutores, é enigma,
no olhar da pecadora, abrigo.
É o cálice que transborda vazio,
é o grito que ecoa em silêncio antigo.
O matam cada dia com certezas,
e renasce em cada dúvida nua.
Pois na linha entre o ser e o parecer,
só permanece o que a morte recusa.
É o que é - não o que dizem,
o amor que não cabe em doutrina.
O véu já se rasgou sozinho:
o eterno beija a fronteira fina.