ANUNCIAÇÃO

Gabriel dos Anjos,

lavando o rosto,

sentiu um ardor estranho.

A água, a mesma

que misturava sua água-de-colônia

com o sabão-de-coco que alvejava

as roupas das freguesas de Josefa,

fez-se espuma de maus presságios.

O ardor tanto aumentava,

que Gabriel nem sabia se coçava a vista

ou, de pé, corrigia o dever de casa do filho,

feliz com o boletim azul sem noves-fora da Escola.

No tanque, Josefa também ardia

com o branco iluminado do alvor das roupas;

tonta, apesar de nenhum grama de café no bucho,

faltou-lhe o homem, o filho e seus dois beijos mornos.

Com a sensação de partir feliz

sempre de mãos dadas ao filho,

bem próximo à escola do Mateus,

Gabriel pressentiu seu atropelamento.

Acamado no asfalto, em poucos segundos

jogou longe da calçada o filho tão assustado

como se se abraçasse ao caderno de deveres.

Salvou, além da educação,

a pensão vitalícia do feijão

o cuidado com as vacinas

e muitos anos de sabão.

Um ônibus, vindo do inexplicável,

que fez uma moça funda na face de Gabriel dos Anjos,

só parou a alguns metros do dia vinte e nove de março.

Dia vinte e oito de março.

Josefa, ou Zefa,

como todos a conhecem,

deu um grito alucinado no tanque.

Sentiu um cheiro de ardor dentro da alma

na data da folhinha: dia vinte e oito de março!

Exagerou no ungüento da água-de-colônia,

e fez Zefa esquecer a rachadura das mãos.

Sujou as roupas da rua,

deu para gritar de agonia

no dia vinte nove de março.

Abriu seus olhos do seu homem,

perguntou-lhe porque rindo morria

com os cadernos de dez azuis do Mateus.

Nas primeiras noites de extrema viuvez,

Josefa, a Zefa, como todos conhecem,

pressentiu que Gabriel não morrera:

descobriu-se prenha de Renata,

a filha que o Arcanjo queria.