COLHEITA (As estações)
Há estações da vida
Em que secam-se os regatos
Mortificam-se as paisagens
Em paragens taciturnas
Vagamente os olhos buscam o azul
Convertido em cinza incinerado
E o que sobrou da voz
Num lamento constrito
Ascende aos céus em súplica:
- Pai, tendes comiseração!
E em face do pedido prosta-se
De joelhos, e busca, mais uma vez
O azul, que há muito deixara de ser
Celestial, pois tem a nuance do chumbo
Cada vez mais denso e cinza
Igual ao teus sonhos
Que se desfazem e se diluem
No ambiente
Porém o corpo segue
E somente um corpo
Pois há muito o espírito o abandonara
Ou tornara-se pusilânime
Em face da derrota debuxada
Pesam-te as carnes sobre os ossos
Os passos tornam-se premidos
E vacilante é a estrutura de um corpo
Que desaba derreado
Entregando-se tragicamente
Ao final dos seus dias
Mas inesperadamente revelou-se
O maternal ventre da vida
Convidando quem quer que seja
A conhecer a face oposta da dor
E aquele que padecia deixou para trás
Seu lastro de angústia e sofrimento
E seu caminhar tornou-se tênue
Na longa travessia da ponte pênsil
Entre as duas realidades
E precipitaram-se em grandes torrentes
Inundando desertos que fossem
As enormes manchas plúmbeas que assolavam
O azul do céu de outrora
Fazendo transbordar os regatos
Alastrar pela campina o centeio
Para que em coro celebrem
Os homens, quando da colheita
A qual em si encerra
O ciclo de toda existência
* * *
Goiânia, fevereiro de 2005