Sem pé nem cabeça

Num momento de loucura,

com todo arrebatamento,

fui formando um pensamento

que eu sei que é doidice pura

mas, também, ninguém segura

um doido quando ele quer

fazer o que lhe vier

à mente, nem reza forte,

nem apelando pra sorte,

mandinga, jogo, ou o que der.

Um pensamento qualquer

que se formou de repente

bem dentro da minha mente

tinha um nome de mulher.

Mas não sei como é que é

pensar mulher sem doçura,

sem imaginar a ternura

que toda mulher abriga,

sem se meter numa briga

de idéias, sem ter loucura.

E nisso ninguém segura

um louco no seu falar,

ninguém consegue calar

a sua alma, a essa altura;

ele pensa em coisa pura,

escreve frases sem nexo,

imaginando o reflexo

gravado no seu olhar,

e se põe a extravasar

o seu pensar desconexo

que mistura amor e sexo

com muita sabedoria;

outro não conseguiria

sem ser bastante complexo.

Ele põe tudo num leque só:

calor, frio, paixão, amor,

comiseração, temor,

em mistura desconforme,

um sarapatel enorme

de questionável teor.

Pensando ser sabedor

dos mistérios desta vida,

sem temor ele revida

as rimas de um cantador

e torna a se recompor

quando o outro o desacata

no repente, e sai à cata

de um argumento melhor;

olha bem ao seu redor

e se sai com uma bravata,

trazendo de longa data

fatos vivos na memória;

começa logo uma história

que, sem vacilar, relata,

pra ver se com isso mata

o mote do repentista;

com o olhar logo conquista

do povo toda a atenção

mas, pelo sim, pelo não,

foge da raia e despista.

E com essa idéia mista

de loucura e lucidez

eu tento mais uma vez

voltar ao que tinha em vista

falar, retomar a pista,

relembrar o que esqueci

de contar quando perdi

o fio da meada, o fato

que iniciou o relato

que eu queria pôr aqui.

Mas o pensamento, em si,

prega peça no poeta

que, assim, não chega à meta

e fica num frenesi,

frustrado, sem conseguir

dar forma àquela figura

etérea, beleza pura,

formada no pensamento

com todo arrebatamento

num momento de loucura.