TREME A NASCER

A linha sequencial da costa

Interrompe-se na boca dum rio

Onde ele tem voz para falar

Com o mar que sobe

Nas marés altas trazendo

O aluvião para as suas margens

Onde elas se deixam invadir

A narrativa da ave que voo

Vê essa linha do alto e segue

Acompanhando a costa

Até ao promontório do cabo

Onde movida pelo instinto

Inflete para terra e procura

Um ninho onde tem ovos

Uma nova história começa

Quando nasce o filho da ave

Que se fará pássaro livre

De voar até ao seu infinito

Pessoal e intransmissível

Como se ele fosse uma peça

Genética da sua identidade

Um filósofo ocasional

Contemplando este caso

Resolveu ir até ao cabo

Olhar longamente o mar

E procurou ganhar asas

Atirando-se às vagas

Na rebentação nas rochas

Desaparecido este ser

Que nos contava a saga

Uma ideia afaga a ideia

De ser corpo e sua alma

Pronta a entregar-se

Inteiramente ao sonho

Ir acordar ao acordar

Tremendamente chato

Ter de adoecer ao chocar

Para ter a temperatura

Certamente a mais certa

(mas, sobre este facto,

nada sabe quem está

ainda para nascer)

Treme no interior do ovo

Tem de partir a casca

À bicada: ter-me a nascer!

16.07.2015

Nota:

Este é um poema intenso que me fez e faz pensar, escrito por ave que conhece o Homem? Escrevi-o há três dias, pode passar-se uma vida, eu posso mudar mas, o poema, será sempre diferente. Motivo suficiente para gostar dele, aqui o dou a ler na voz do rio… a fala(r) com o mar. http://diariodedetrasii.blogspot.pt/2015/07/treme-nascer.html

Francisco Coimbra
Enviado por Francisco Coimbra em 19/07/2015
Reeditado em 20/07/2015
Código do texto: T5316039
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