Hera

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...Um atado de estacas

roçado do meandro fresco

de uma belga(*) de mimosas.

Às costas, pois sim;

banal, coisa de rotina.

Com jeitos de quem sabe

o homem espetou

cada uma daquelas hastes

todas tão esguias

desde o chão de terra

e todas a apontar o azul

a alongarem-se para o céu.

Umas em obliquidade

outras em paralelo

ou cruzadas entre si

a inventar losangos

numa rede vertical

com nervuras de madeira

estendidas para o alto.

Veio então

um tempo vívido

da mulher que chega

e resfolga da andança,

ali, junto ao seu homem;

Vinha rosada

de forças ardentes

mais o seu carrego

para a jornada.

Tudo ali depôs

sobre a erva do chão.

À sua frente

ele e uma grade

alinhada com afã,

mais até com afecto.

Aquela mulher

enxugou-lhe a testa

de lhe mirar no rosto

o resplandecer suado

de esforço e de sol.

Enxugou depois em si

como que o mesmo suor

como de razões

que se comungam

na mesma labuta

no mesmo calor.

Quanto ao astro,

exercitava sobre eles

e por eles dividia

a plena benevolência

do seu morno afago

tão humanamente acolhido

como uma bênção

por aqueles dois

sem se darem conta, até.

Entre as mãos dela

abriu-se uma saca

de serapilheira

e do seu âmago

as mãos unidas em concha

empenharam-se em retirar

uma boa porção

de belas sementes.

Exemplares escolhidos

no serão da véspera

pelo casal que agora

ali se atarefava.

As melhores sementes,

as mais perfeitas,

ali foram introduzidas

bem à flor da terra.

Sorrindo um para o outro

um homem e uma mulher,

lado a lado,

prosseguiam a mesma faina.

A um dado momento,

cumprida a função

foi o tempo para eles

de se sentarem no chão

e do cansaço no peito

e pelos membros

foi, então, o tempo

de respirar, manso e feliz

pela obra bem acabada.

Os dedos hábeis

daqueles dois pares de mãos

repousaram entrelaçados

no mesmo jeito de harmonia

dos lenhos de pinho

da sua novíssima grade

junto à qual descansavam.

Encaravam-se aqueles dois

com um sorriso tão pleno

de cumplicidade,

de um afecto tão lindo,

como as suas madrugadas.

E era no brilho dos olhos

no jeito de darem as mãos

que se podia ler

quanto de imensidade

abarcavam nos seus afectos

naquelas bocas de beijar

e se darem a beijar

quase infindavelmente.

Só quase infindavelmente,

sim, mas o tempo bastante

para que das sementes,

sob a pele da terra,

germinasse verde

uma legião de caules.

Isso mesmo,

despontaram e ergueram-se

criaturas vegetais

ali plantadas pelo casal.

Cresceram e alongaram-se

pelas varas de pinho

e, encostados a elas,

em volta daqueles dois,

entregues a um beijo.

Ali ficaram enlaçados

pela mesma ternura

e pelo exultar de vida

de um planta chamada hera.

... E o ar é lhes tão leve

que mal os toca

...tão fresco

e que tanto se faz enlevo.

...E a hera divaga

ao derramar-se

para o céu!

A hera espraia-se

ascendente ao lenho

ao pinho da grade

que não a retém

e sem a prender

a sustém!

O verde exala

a alquimia da seiva

impregnada e plena

de transcendência.

Cada folha se inebria

e revive a embriaguez

de um sangue vegetal.

A hera exulta

a cada curva de enleio

pois que cada abraço

constrói a ideia

que se ergue desprendida

bem ao alto.

A brisa da manhã traz

um feitiço envolvente

e fá-la cúmplice

da sua própria pureza

elevam-se juntas no ar

e juntas são

o amarinhar de um êxtase

no gozo da vertigem

de fluir pró infinito.

A água reinventa-se

para a hera numa chuva

de nostalgia do céu.

E ressoam delírios

rasantes ao chão

no choro dos lírios

num ciúme rasteiro

mas presente nesse enredo

de teia bordada

com fios de encanto

de uma tal de Natureza.

E a hera trepa

como um ideal feliz

que desabrocha da paixão

como entre um homem

e uma mulher.

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___________________LuMe

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(*) Belga - Talhão de terreno

Luis Melo
Enviado por Luis Melo em 09/06/2018
Código do texto: T6360061
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