O RIO  (reeditado)

Era como se o rio
houvesse nascido comigo.
tínhamos, parecia,
a mesma idade,
e éramos amigos...
Amigos de verdade !
e até no nosso correr
havia por assim dizer
a mesma felicidade.

Eu nunca me dera muito bem com a bola.
Nas férias da escola
preferia cultivar a nossa amizade:
minha e do rio.
Puxa vida, ele era meu amigo, no duro!
Se eu tinha sede, ele me saciava,
se eu tinha fome,
trazia-me um jambo maduro,
colhido nos lugares por onde passava.

E as borboletas?
Ah, as borboletas...
brancas, azuis, amarelas, pretas...
chegavam a todo momento
na garupa do vento
e apeavam docemente na areia.
Dez, trinta, oitenta, cem...
nem sei quantas, eram tantas!
Todas coloridas, cheias de alegria...
e eu sorria. E o rio também!

Mas estas amizades puras, sinceras...
só existem enquanto se é menino.
à medida em que fui "crescendo"
outras coisas fizeram-se mais importantes
do que a nossa mizade.
O bar, o cinema, a turma, o vintém...
o rio não me procurou,
nem eu o procurei também!

Mas me disseram outro dia - que covardia!
que estavam matando o rio!
Lembrei-me da minha infância
e senti percorrer-me um calafrio.
Amaldiçoei o meu mundo, egoísta, vazio...
e resolvi que iria visitá-lo.
lembrar-lhe-ia da minha infância,
falar-lhe-ia de esperança,
dir-lhe-ia, sei lá, alguma palavra de carinho de conforto...
mas a minha visita não surtiu efeito,
o rio jazia no leito,
meu amigo já estava morto.

Olha! Se você ainda for menino
e tiver um rio amigo assim,
cultive esta amizade
com carinho, com brio...
ou, como eu, perceberá tarde demais
que a sua felicidade
que a sua paz,
estavam naquela amizade:
sua e do rio.