ÁGUA DOCE SOB A PONTE

ÁGUA DOCE SOB A PONTE

~~~~para Maria Sara ~~~

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Você me diz que envelheceu

que ontem mesmo não tinha esse rosto

e nele o semblante cansado

você me diz que entristeceu

que as marcas do tempo na sua pele

em vão pedem bom restauro

diz que se a vida fosse um bom livro

você já tinha escrito

mais do que desejava ter lido

quando você me diz essas coisas

me faz rir,

debocha da vida e me faz rir

escracha o verbo numa falha idiomática

e saltamos os paradoxos juntos

em meio ao riso desconcertante

(aquele tipo de humor que assusta

quem espia porque ampara sem lógica)

concordamos ser eu Atlas

com pesado monumento aos ombros

e você água doce sob o arco da ponte

de ouvir, eu que só ressentia

de novo sinto

e a amargura dissipa-se

como a sombra de uma nuvem

que sobre o rio encobria a ponte

e então eu rio, eu rio, rio

quando me faz rir assim

de mim e de toda gente

vejo as marcas no meu corpo

se confundirem com as do meu caráter

e relembramos um ao outro

que águas passadas

não movem os moinhos tristes

e voltamos a rir

pois que a Capela Sistina anda igualmente

necessitada de reparos

e nem por isso deixa de ser visitada

por tantos e ávidos e puídos de serem

sob a pele e longe das pontes

obras de arte perdidas para o tempo.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 29/04/2018
Reeditado em 30/04/2018
Código do texto: T6322495
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