Falamo-nos

Sob a noite falei-te, feito eu

Tão sem palavras, mas com tanto pra dizer

Tão sem verso, mas imersa n'escrever

Tão sem quietude, mas quieta o próprio ser.

Sob a noite falou-me, feito tu

Tuas palavras, mas tão estranho o ler

Tuas ideias, feito as minhas entrever

Tuas memórias, que nem sei como reter...

Sob a noite falamo-nos, feito nós.

Tão conhecidos, feito estranhos nos prostramos

Tão esquecidos, do passado nos lembramos

Tão emudecidos, duvidosos nós falamos.

Sob a noite calei-me, feito alguém.

Queria falar-te assim

E antes que viesse o dia.

Falar-te ia

Do quanto que me valia

falar-te sem mais ter fim

Sob a noite calei-me, feito sou

Queria falar-te assim

Que antes quando dormia

Falar-te ia

D'um sonho que eu sonharia

D'um dia falar-lhe enfim.

Mas foi-se o instante

Foi sem que dissesse.

Sem por no verso a palavra,

Sem por na palavra a poesia,

Sem por na poesia o sentir,

Por medo que já nem sei.

E agora só me pergunto.

Se um dia falar-te-ei...