As mãos de Eurípedes

As mãos de Eurípedes

Eurípedes amava Eurídice

mas dela só conhecia as mãos

e suas mãos suadas e trêmulas

sonhavam entrelaçar-se às dela.

Da janela de seus olhos

espiava Eurípedes as mãos de Eurídice.

Sabia de sua sutileza pelas vozes alheias.

Vozes masculinas lhe contavam

que as mãos de Eurídice suportavam tristezas,

melancolia.

Eurídice arranhava e aplaudia

em seu amor e agonia.

E era com isso que Eurípedes sonhava,

suas mãos, as mãos de Eurípedes,

escreviam versos que lhe iam n’alma.

Por serem tímidas ocultavam seus sentimentos.

As mãos de Eurípedes fugiam das luzes

e buscavam os bolsos, como bichinhos assustados.

Eurípedes e suas mãos viviam dilemas,

amavam-se por não ter a quem amar,

e quando Eurípedes tocava-se com suas mãos

era as mãos de Eurídice que imaginava.

Antes jovens, as mãos de Eurípedes

começaram a envelhecer.

As rugas do tempo, as mancas do tempo,

o tremor do tempo.

Nunca Eurípedes enfeitou suas mãos, o anular.

Suas mãos fizeram o repouso final sob seu peito,

um jeito estranho de se mostrar.

O diagnóstico seus versos o fizeram

muito antes de seu corpo findar

Morreu Eurípedes de tanto amar

as mãos de Eurídice.

Mauro Gouvêa

Ouro Fino, 23/11/2003