Fato sem clarividência
Passei os dias a pensar
Gastando-me em esforços vários
Só depois reparei,
Que pensei mais do que fiz,
Olhei demais sem nada ver
Corria para me encontrar
Nunca parando para procurar,
Nunca inspirando o ar
Para me sentir vivo.
Olhei para trás
Para onde vinham as minhas pegadas
E vi que misturei muita coisa,
O fato e a gravata
A brilhantina e o ar snob
O pescoço esganado
E o estar apaixonado,
Mas faltou-me clarividência
Para chocar ou irritar.
O som desta voz
Surdo quase mudo murmúrio
Para dizer que há mais
Mais que o comum
Mais que uma raça indistinta:
Uma expressão diferente.
Uma pele sempre fresca.
Um sorriso aberto.
Uma cor dispersa nos olhos.
O fim do arco-íris,
Onde o duende esconde o tesouro.
A corda que falta nas guitarras,
A palavra não inventada,
O poema inacabado.
Uma pausa que a gramática não contem
Uma força contraria á gravidade
Que tira o peso do pecado,
Uma bala prestes a disparar
Para matar a solidão.
Sinto que não me conheço
Vesti á presa a saudade
E já não a tolero,
Ninguém a tolera,
Encarnei a espada da adversidade
Que cortou a alegria desta vida,
Não ficou nada
Senão o zumbido no ouvido
Esta voz que me consome.
Teria de inventar mais para te conquistar
Se é que já te conquistei,
Se é que te deixas conquistar.
Miguel Lopes