Pelos campos da vida afora

Eis naquela fazenda, numa noite quente e estrelada

Ela abriu toda, a pesada e velha porteira

Com esforço pois estava cansada,

Mas ainda assim, bem faceira

Deixou sair em disparada

Seu cavalo favorito.

Em liberdade disparou o belo animal a galope noite afora,

Em parte alegre, em parte arisco, em parte louco

Sem cansar-se, na carreira até a aurora

Galopou, e não foi pouco,

Mas sozinho estava agora,

Galopou, trotou, parou.

E ela, lá da fazenda a se perguntar por quais caminhos iria,

Cavalo tão bonito, mas tão cheio de vontades

Por onde o indomável andaria?

Por campos, por cidades?

Serena, ela esperava.

Pelas sendas e tormentas por onde andaram seus cascos

Encontrou ele a paz, encontrou ele a guerra

Quiseram possui-lo carrascos e menestréis

Mas nenhum vivente nessa terra

Chegava sequer a seus pés.

De prados em prados ele vagou, campina após campina

Às vezes achava ora bom pasto, ora água boa

Mas nunca se agradava, era sua sina

Em seu incerto e penoso andar à toa

Em sua busca que não termina.

Outras vezes, parava em alguma cidade de simpática acolhida

Mas encontrava vicissitudes, e pessoas ruins

Pensava que aquilo não era uma boa vida

Que as coisas boas não eram assim

E no galope dava sua partida.

Na fazenda, ela às vezes sonhava com o som de galope na noite

Na verdade, era somente o eco de suas lembranças

A saudade do que almejava viver, o açoite

E as rédeas, de seus cabelos as tranças.

E ela esperava, porteira aberta, o retorno do belo animal

E na distância, a chuva anunciada em sonoro trovão

Rezava ela: "Volte logo ao meu peito, afinal

Esse cavalo, que chamo de Meu Coração".